REVISTA SUPERINTERESSANTE - DEZEMBRO DE 2008 - BÍBLIA: QUEM A ESCREVEU E ADULTEROU SUAS TRADUÇÕES?




Quem escreveu a Bíblia?

A História de Deus foi escrita pelos homens. Mas quem é o autor do Livro mais influente de todos os tempos? As respostas são surpreendentes - e vão mudar sua maneira de ver as Escrituras.

Texto - José Francisco Botelho


Quem escreveu, ou quais as pessoas, afinal, escreveram o Livro mais importante que a Humanidade já viu? Quem eram e o que pensavam essas pessoas? Como criaram o enredo, e quem ditou a voz e o estilo de Deus? O que está na Bíblia deve ser levado ao pé da letra, o que até hoje provoca conflitos armados? A resposta tradicional você já conhece: Segundo a tradição judaico-cristã, o autor da Bíblia é o próprio Todo-Poderoso e ponto final. Mas a verdade é um pouco mais complexa que isso.




Os 5 primeiro Livros do A.T - Antigo Testamento (que no Judaísmo se chamam Torá e no Catolicismo Pentateuco) teriam sido escritos pelo Profeta Moisés por volta de 1.200 a.C. Para os fundamentalistas, não tem conversa: Moisés escreveu tudo sozinho. Só que um trecho desse texto narra a morte do próprio Moisés. Isso indica que ele não é o único autor. Os Historiadores e a maioria dos religiosos aceitam outra teoria: Esses textos tiveram pelo menos outros dois editores.

Outras passagens do A.T descrevem um Deus belicoso, vingativo e sanguinário, que ordena o extermínio de cidades inteiras - mulheres e crianças incluídas (ver 2 Reis 2:24 ; Juízes, 15:16 ; 1 Reis 18:40 ; Êxodo 32:19 ; 1 Samuel 15:18 e outras). "Se a religião prega a compaixão, por que os textos sagrados têm tanto ódio?", pergunta a Historiadora Americana Karen Armstrong, autora de um novo e provocativo estudo sobre a Bíblia.

Para os Especialistas, a violência do A.T é fruto de séculos de guerras com os assírios e os babilônios. Os autores do Livro sagrado foram influenciados por essa atmosfera de ódio, e daí surgiram as histórias em que Deus se mostra bastante violento e até cruel. Os redatores da Bíblia estavam extravasando sua angústia.




Com o surgimento da arqueologia, no século XIX, algumas escrituras apócrifas foram encontradas nas areias do oriente médio. É o caso de um texto polêmico encontrado em 1886, no Egito. Ele é assinado por uma certa "Maria" que muitos acreditam ser a Madalena, Discípula de Jesus, presente em vários trechos no N.T - Novo Testamento. O evangelho atribuído a ela é bem feminista: Madalena é descrita como uma figura tão importante quanto Pedro e os outros apóstolos. Nos primórdios do Cristianismo, as mulheres eram aceitas no clero e eram inclusive consideradas capazes de fazer profecias. Foi só no século III que o sacerdócio virou monopólio masculino, o que explicaria a censura da "apóstola" e seu testemunho.

Aliás, tudo indica que Maria não foi prostituta - ideia que teria surgido por um erro de interpretação do Livro Sagrado. No ano de 591, o Papa Gregório fez um sermão dizendo que Madalena e outra mulher, também citada nas Escrituras e, essa sim ex-pecadora, na verdade seriam a mesma pessoa. Em 1967, o Vaticano desfez o equívoco, limpando a reputação de Maria.




Surge a Vulgata, a Bíblia latina que até hoje é o texto oficial da Igreja católica. "A Vulgata foi o alicerce da Igreja no ocidente", explica o padre Luigi. A Vulgata é tão influente, mas tão influente, que até os seus erros de tradução se tornaram clássicos. Ao traduzir uma passagem do Êxodo que descreve o semblante do Profeta Moisés, o teólogo Eusébio Hyeronimus, que mais tarde viria a ser canonizado com o nome de São Jerônimo, escreveu em latim: "Cornuta esse facies sua," ou seja, "sua face tinha chifres".

Esse detalhe esquisito foi levado a sério por artistas como Michelangelo. Sua famosa escultura representando Moisés, hoje exposta no Vaticano, está ornada com dois belos corninhos. Tudo porque Jerônimo tropeçou na palavra hebraica Karan, que pode significar tanto "chifre" quanto "raio de luz". A tradução correta está na Bíblia Septuaginta: O Profeta tinha o rosto iluminado, e não chifrudo! Apesar de erros como esse, a Vulgata reinou absoluta ao longo da Idade Média e durante séculos não houve outras traduções. Mesmo assim, a Vulgata permanece dessa forma até hoje.




Após a queda do Império Romano, grande parte da leitura da antiguidade grega e romana se perdeu. Foi graças ao trabalho dos monges copistas que livros como a Ilíada e a Odisseia chegaram até nós. Mas alguns deles eram meio malandros: Costumavam interpolar textos nas Escrituras Sagradas para agradar a Reis e Imperadores.

No século XV, por exemplo, monges espanhóis trocaram o termo "Babilônios" por "Infiéis" no texto do Antigo Testamento, ou seja, essa tradução feita propositadamente errada, foi um truque para atacar os muçulmanos, que disputavam com os espanhóis, a posse da península Ibérica.



Para saber mais:

* A Bíblia - Uma Biografia, de Karen Armstrong, Jorge Zahar Editora, 2007.

* Who Wrote the Bible? (Quem Escreveu a Bíblia?), de Richard Eliott Friedman, HarperOne, 1997.

Fonte: https://super.abril.com.br/historia/quem-escreveu-a-biblia



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